A Inquisição e a Maçonaria em Portugal

Os primeiros maçons a cair nas garras da Inquisição portuguesa foram o negociante Jean Coustos e o joalheiro francês Aristides Mouton, que utilizando-se de uma Carta Patente concedida pela Grande Loja da Inglaterra ao marítimo inglês James Gordon, fundaram a primeira Loja Maçônica em Lisboa.


A capital portuguesa era, nessa primeira metade do século XVIII, um grande empório comercial freqüentado por navios e por mercadores de todos os países, atraídos pelo cravo, pela pimenta e pela canela do Ceilão; pelas pedras fascinantes de Minas Gerais, e pelo ouro abundante de Cuiabá.


A Inquisição, comandada por Torre Quemada (Torquemada), Domingos de Gusmão e Pedro Arbuez – estava, porém vigilante; e, a despeito dos cuidados de Coustos e Mouton, os familiares do Santo Ofício conseguiram penetrar no segredo de que se rodeavam os trabalhos maçônicos, e localizar a sede da Loja. O primeiro a ser preso foi o Venerável Aristides Mouton, que submetido ao “tormento da água” se manteve silencioso, recusando denunciar os nomes dos portugueses que faziam parte da Loja. A solidariedade de Jean Coustos levou-o a interceder pelo irmão detido, o que também motivou a sua prisão.


Redobraram então os fanáticos dominicanos os esforços para obterem a confissão total dos dois “pacientes”; mas, honra seja feita à sua memória, nem os “tratos expertos”, que eram as torturas mais horríveis, inventadas pelo talento dos inquisidores, nem as promessas de libertação, com que procuravam seduzi-los, convenceram os primeiros mártires da Maçonaria portuguesa a revelar a identidade de seus Irmãos.

“Portugal é um país onde jamais brilha a luz do dia” – assim escrevia em Viena o irmão William Born, no seu regresso de uma viagem a Lisboa. “Seus habitantes perdem-se na noite sem fim, obrigados como são a entregar-se cegamente nas mãos de guias espirituais obtusos, fanáticos, e de coração empedernido. Esses guias, que pretendem ser os interpretes do verbo divino, possuem alma de assassinos e de pessoas humanas têm apenas a forma exterior. É pena que num clima tão doce, e no seio de um povo sentimental e bom, existam feras à solta, e que essas feras, para agravo de Deus, se digam depositárias da verdade divina”!

“É um paraíso de monges ignorantes, dominados pela superstição e amedrontados pelas idéias modernas, havendo um preocupação doentia por tudo quanto provém da França, da Holanda e da Inglaterra”.


“Alguns de nossos Irmãos ensaiaram introduzir ali a Maçonaria como meio de arrancarem os portugueses das cadeias da ignorância e do fanatismo, ensinando-lhes a forma de se libertarem dos seus algozes e se aperceberem de que os princípios do Cristianismo estavam sendo desvirtuados pelos seus guias espirituais; mas tiveram de desistir diante desse fantasma aterrador – a Inquisição – que tanto ali como na Espanha parece ter por única missão manter as trevas nos espíritos e cerrar as fronteiras a toda a espécie de progresso e de civilização humana”.


Jean Coustos foi encerrado num calabouço sem iluminação, e aconselhado a confessar aos inquisidores tudo quanto sabia a respeito dos portugueses filiados à instituição maçônica.


Estóico e abnegado, sofreu as torturas com a maior resignação, jamais deixando escapar um nome, alegando em sua defesa que nunca ofendera as leis do país ou as justiças do rei. Confessou que fazia parte de uma associação de homens honrados que tinham por único objetivo a prática da beneficência, socorrendo por igual os partidários de qualquer religião; mas esquecera totalmente os nomes dos companheiros, lembrando-se apenas de que eram muitos, sábios e humanitários.


Insistiram os inquisidores em saber os nomes dos que haviam recebido auxílio da associação, para serem exorcizados; mas o heróico joalheiro francês conservou-se em completo silêncio.


Baldados os esforços para obterem a confissão do torturado, colocaram-no outra vez na prisão sem luz, até que o ignominioso tribunal do Santo Ofício o condenou à deportação para as galés, em nome de Deus e do Rei!


Mas antes de seguir para o degredo, quiseram quebrantar-lhe o ânimo, fazendo-o assistir a um auto de fé em que muitos judeus e mouros foram queimados; o valente maçom, porém, que já havia resistido às torturas físicas e sentia os ombros ainda doloridos pelos terríveis engenhos com que os dominicanos esfacelavam as carnes e trituravam os ossos dos “pacientes”, manteve-se impassível diante do doloroso espetáculo com que os filhos de São Domingos aterrorizaram a capital lusitana.


Mandado para as galés, dali conseguiu arrancá-lo a Inglaterra, graças à intervenção de Lord Harrington e do Duque de New-Castle, a pretexto de que o condenado se havia naturalizado cidadão inglês.

A primeira Grande Loja fundada em Lisboa teve por Grão Mestre o Irmão José Sampaio de Carvalho e Melo, irmão do grande Marquês de Pombal, e dela faziam parte as figuras mais proeminentes de Portugal, inclusive alguns frades que se dedicavam ao cultivo das ciências e das boas letras, sendo a referida Grande Loja instalada no convento de São Vicente, que era, por essa altura, uma espécie de Templo de Minerva onde os nobres se reuniam a coberto dos privilégios e das imunidades de que gozavam os mosteiros e conventos, com grande pesar dos dominicanos, que rondavam as portas mas não podiam entrar.


Dessa Grande Loja vieram a fazer parte o general Gomes Freire de Andrade, mais tarde seu Grão Mestre, o general Rodrigo José Guedes, ajudante de campo do Marquês de Niza, e o mais notável homem daqueles tempos, José Liberato Freire de Carvalho, que sob o nome de D. José de Loreto tomou o hábito de cônego de Santa Cruz de Coimbra, e foi mais tarde professor de Lógica em São Vicente de Lisboa, onde ocupou o cargo de “Grande Orador” da Loja Fortaleza, que funcionava nesse mesmo convento, e de que o poeta Manoel Maria Barbosa du Bocage (o Elmano Sadino) – o famoso poeta Bocage de que tanto nos fala a História – foi segundo Vigilante.


A História do Portugal Maçônico é, por assim dizer, a introdução à História da Liberdade em Portugal.

Ir. A.Figueiredo Lima

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