D. Pedro I – Ir.: Guatimozin

Reminiscências

Estas reminiscências têm o seu início no dia 17 de junho de 1822 ou 28o dia do 3o mês do ano da verdadeira luz de 5.822, quando os maçons do Rio de Janeiro se reuniram em sessão magna e extraordinária presidida pelo Irmão João Mendes Viana [Graccho], venerável mestre da Loja Comércio e Artes na Idade do Ouro, única até então existente e regular no Rio de Janeiro, para a criação e instalação do Grande Oriente Brasílico ou Grande Oriente do Brasil. Escolhendo José Bonifácio de Andrade e Silva [Pitágoras] como Grão-Mestre.

Da ata da nona sessão do Grande Oriente do Brasil, realizada em 02 de agosto de 1822 ou 13o dia do mês 5o do ano da verdadeira luz de 5.822, consta ter o Grão-Mestre da Ordem proposto para ser iniciado nos mistérios da Ordem, Sua Alteza D. Pedro de Alcântara, Príncipe Regente do Brasil e seu defensor perpétuo. Aprovada de forma unânime, dom Pedro foi imediatamente e convenientemente comunicado, que dignando-se aceitá-la, compareceu na mesma sessão, e sendo iniciado conforme prescrevia a liturgia maçônica, prestou juramento e adotou o nome heróico de Guatimozin.

Para a historiografia maçônica, a 17a sessão do Grande Oriente do Brasil se reveste de um significado particular. Realizada em 04 de outubro de 1822 ou 14o dia do 7o mês do ano da verdadeira luz de 5.822, dom Pedro foi aclamado Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil em substituição a José Bonifácio. A sessão foi presidida pelo Grande Mestre Adjunto Joaquim Gonçalves Ledo [Diderot]. E no dia 21 de outubro de 1822 dom Pedro determinou a interrupção das atividades maçônicas, afiançando a Ledo que a suspensão seria breve:“Meu Ledo. Convindo fazer certas averiguações, tanto públicas como particulares, na Maçonaria. Mando: primo como Imperador, segundo como Grão-Mestre, que os trabalhos Maçônicos se suspendam até segunda ordem minha. É o que tenho a participar-vos; agora resta-me reiterar os meus protestos como Irmão – Pedro Guatimozim Grão-Mestre. P.S. Hoje mesmo deve ter execução e espero que dure pouco tempo a suspensão, porque em breve conseguiremos o fim que deve resultar das averiguações”. De fato, quatro dias depois, em 25 de outubro de 1822, Pedro Guatimozim, era assim que o Imperador assinava sua correspondência maçônica, determinou o fim da suspensão dos trabalhos em função do término das averiguações: “São Cristóvão, 25.10.1822. Meu Irmão – tendo sido outro dia suspendido nossos augustos trabalhos pelos motivos que vos participei, e achando-se hoje concluídas as averiguações, vos faço saber que segunda-feira que vem, os nossos trabalhos devem recobrar o seu antigo vigor, começando a abertura pela Loja em Assembléia Geral. É o que tenho a participa-vos para que, passando as necessárias ordens, assim o executeis. Queira o Supremo Arquiteto do Universo dar-vos fortunas imensas como vos deseja o – Vosso Irmão – Pedro Guatimozim – Grão-Mestre – Rosa Cruz”.

Esses sãos os fatos históricos que julgamos bem apresentar a título de reminiscências, que estão narrados no Boletim do Grande Oriente do Brasil [Rio de Janeiro, ano 48, 1923, p. 690/691 e 917] e Arquivo da Casa Imperial do Brasil [Cartas de D. Pedro I a Joaquim Gonçalves Ledo. São Cristóvão, 21/10/1822 e 25/10/1822. Registro: I-POB-21.10.1822-PLB c. 1-2], citado por Alexandre Mansur Barata, inMaçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790-1822), com adaptações. Os relatos dos historiadores maçons comprometidos com a Ordem e não-maçons não destoam, melhor, se coadunam com o histórico indigitado.

Pretendo, com este artigo, reverenciar a memória de D. Pedro, o primeiro Imperador do Brasil que, ao ser Iniciado Maçom, adotou o nome histórico de Guatimozim, em homenagem ao último Imperador das Astecas na região de Anahuac [área do atual México] e que depois de supliciado, foi amarrado e lançado sobre brasas até morrer, em 1522, pelos invasores espanhóis comandados por Hernan Cortez. Simbolicamente, Pedro I considerou-se, à semelhança de Guatimozim, disposto a sacrificar-se pelo Brasil, honrando o título de Defensor Perpétuo do Brasil, que o Grande Oriente Brasílico ou Brasiliano lhe concedera em 13 de maio de 1822. E saudar os membros da ARLS Guatimozim no 2.107, Primaz do Rito Brasileiro no Distrito Federal, e todas as demais Lojas Maçônicas que adotaram o nome Guatimozim.

Curiosidades Maçônicas

Disseram-me um dia, como a muitos outros também deve ter sido dito em algum momento da caminhada na vida maçônica, que dom Pedro, numa mesma data teria sido iniciado, elevado, exaltado e conduzido ao Grão-Mestrado da Maçonaria no Brasil, e que teria adotado o nome simbólico de Guatimozim, em homenagem ao último Imperador asteca do México que resistiu em 1522 ao conquistador espanhol Cortez. O relato histórico das reminiscências desmistificam os “ditos” para conduzir ao real entendimento que dom Pedro de Alcântara, iniciado em 02 de agosto de 1822, só foi guindado ao cargo de Grão-Mestre em 04 de outubro de 1822, e confirma que o então Príncipe Regente foi iniciado na Maçonaria com os rigores ritualísticos, adotou o nome de Guatimozim e que não ordenou o “fechamento”da Ordem Maçônica.

Fica aqui o nosso primeiro registro curioso. O nome Guatimozim, entrementes, era o nome histórico adotado por Martim Francisco Ribeiro de Andrade, irmão carnal e maçônico de José Bonifácio, e que perfilava ao lado de Falkland [Antônio Carlos Ribeiro de Andrade], Tibiriçá [José Bonifácio de Andrade e Silva], Caramuru [Antônio Telles da Silva], Aristides [Caetano Pinto de Miranda Montenegro] e Claudiano [Frei Sampaio – Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio] nas alas maçônicas e registros do Apostolado e da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz. Ademais, no Recife existia uma Loja Maçônica denominada Guatimosin, fundada em 1816 e que em 1821 mudou o seu nome para “Loja 6 de Marco de 1817”, em homenagem aos maçons sacrificados na gloriosa Revolução Pernambucana de 1817. A historiagrafia maçônica, contudo, passa ao largo da preferência de dom Pedro pelo nome heróico de Guatimozim.

Outro registro nos remete ao restabelecimento dos trabalhos maçônicos na forma ordenada por dom Pedro I. E estes, contudo, não foram reencetados, haja vista que a 02 de novembro de 1822, José Bonifácio determinou uma devassa contra os maçons do “Grupo do Ledo”, no episódio que ficou conhecido como “Bonifácia”. As razões ainda são pouco claras, ao que tudo indica o fato de dom Pedro ter sido aclamado Grão-Mestre numa sessão presidida por Joaquim Gonçalves Ledo foi interpretado como um golpe maçônico ao “Grupo do Bonifácio”, e os ânimos entre os grupos [azul e vermelho] que se mostravam em acirramento crescente desde o episódio que resultou em repreensão ao Frei Francisco Sampaio [Pílades] mostravam-se mais radicalizados com a eleição de dom Pedro para o cargo de Grão-Mestre em substituição a José Bonifácio. Devemos dizer que José Bonifácio efetivamente não compareceu a sessão em que dom Pedro tomou posse no cargo de Grão-Mestre, como de resto, não compareceu a nenhuma sessão importante e até mesmo foi colocado no cargo sem ser consultado, mas não foi totalmente tirado da diretoria, porque ainda era ministro de dom Pedro e continuava a exercer o cargo de Grão-Mestre Adjunto e Lugar-Tenente de dom Pedro no Apostolado.

O clima realmente esquentou quando o “Grupo do Ledo” tentou impor a dom Pedro, por ocasião da sua aclamação a Imperador do Brasil, em 12 de outubro de 1822, um juramento prévio da Constituição que seria elaborada pela Assembléia Geral Constituinte e Legislativa convocada pela circular de 17 de setembro de 1822. Tal fato desagradou profundamente ao “Grupo do Bonifácio” e ao próprio dom Pedro I, daí a interrupção dos trabalhos ordenada por este, para as “averiguações” procedimentais, na forma narrada nas reminiscências.

A abertura da “devassa” ordenada por José Bonifácio, dois dias depois da autorização emanada do Imperador e Grão-Mestre para o recomeço das atividades maçônicas, ocorreu depois que os Andradas [José Bonifácio e Martim Francisco] colocaram seus cargos de ministros à disposição do Imperador. Tão logo a notícia tornou-se conhecida no meio maçônico, iniciou-se um movimento no sentido de fazer o Imperador reintegrar os Andradas, o que acabo acontecendo. Reintegrados e fortalecidos pelas manifestações favoráveis, José Bonifácio desencadeou violenta repressão aos maçons identificados com a liderança de Joaquim Gonçalves Ledo e esse conjunto de fatos ficou conhecido como “Bonifácia”.

O devassado Joaquim Gonçalves Ledo fugiu para a Argentina com o auxílio do Cônsul da Suécia. José Clemente Pereira foi preso e depois deportado [30 de dezembro de 1822] para Havre, na França, em companhia de Januário da Cunha Barbosa, e posteriormente, os dois foram para Londres. Outros maçons foram presos e depois libertados, as lojas encerraram seus trabalhos e o Grande Oriente do Brasil fechado, deixando os maçons em pavorosa. Com a cissura, o fechamento do Grande Oriente do Brasil e sem oposição, os anti-maçons recrudesceram em campanhas, fazendo com que a Maçonaria aparecesse como inimiga do Imperador e do Trono, constituindo uma memória da Independência cada vez mais distante dos maçons e da Maçonaria. E a única voz que se ouvia bradar na imprensa era a do brigadeiro e maçom Domingos Alves Branco Moniz Barreto [Sólon] em seu jornal “Despertador Constitucional”.

O que se registra no meio maçônico, contudo, e em que pese o fechamento do Grande Oriente do Brasil, é que muitos maçons continuaram a se reunir às escondidas enquanto as lojas cerraram suas portas, atas e documentos maçônicos eram destruídos por todo o Brasil, à exceção de Pernambuco, onde as lojas funcionavam e os maçons se reuniam em oposição às determinações do Rio de Janeiro, e até conduziram os preparativos do movimento que ficou conhecido como Confederação do Equador – um dos momentos marcantes dos tempos de ouro da maçonaria pernambucana. Mas este é um relato para outra oportunidade.

Outra curiosidade marcante fica por conta de dois fatos. O primeiro, dom Pedro em 20 de julho de 1822, portanto, doze dias antes de ser iniciado, enviou um bilhete a José Bonifácio no qual tratava da Província da Bahia, convulsionada e resistente à Regência do Rio de Janeiro. Anote os termos maçônicos usados. Dizia o Príncipe Regente: “O Pequeno Ocidente toma a ousadia de fazer presente ao Grande Oriente, duas cartas da Bahia e alguns papéis periódicos da mesma terra há pouco vindas. Terra a quem o Supremo Arquiteto do Universo tão pouco propício tem sido. É o que se oferece por ora a remeter a este que em breve espera ser seu súdito e I\ [Arquivo da Casa Imperial do Brasil. Cartas (2) de D. Pedro a José Bonifácio. São Paulo, 20/07/1822 e 01/09/1822, II-POB-20.07.1822 – PI.B – c. 1-2, citado por Barata, ob. cit. p. 233], numa patente demonstração que os termos maçônicos não lhe eram desconhecidos e que esperava ser iniciado em nossa Ordem.

Outro fato singular refere-se a possibilidade do Príncipe Regente dom Pedro pertencer ao Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, sociedade secreta de fins maçônicos fundada em 2 de junho de 1822 por José Bonifácio. O atesto é feito por Castellani ao citar Rio Branco em nota à “História da Independência do Brasil” de Vernhagem: “D. Pedro já pertencia, como ficou dito, a uma sociedade secreta, a Nobre ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz, denominada Apostolado. Pelo livro das atas que S. M. o Sr. D. Pedro II possui, e figurou na Exposição de História do Brasil [no 6.986], sabe-se hoje que essa sociedade fundada por José Bonifácio, começou a funcionar em 2 de junho. D. Pedro era, com o título de arconte-rei, o chefe do Apostolado, sendo José Bonifácio seu lugar-tenente. Pelo livro do juramento, também exposto em 1881, ficou patente que Gonçalves Ledo e Nóbrega, também pertenciam ao Apostolado”[Castellani, in História do Grande Oriente do Brasil, p. 70]. O Nóbrega referido poderia ser os maçons Francisco Luiz Pereira da Nóbrega ou Luiz Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho.

Conclusão

Meu Irmão. Procuramos demonstrar que o período de adormecimento da Maçonaria Brasileira entre 02 de novembro de 1822 e a abdicação de dom Pedro I, em 07 de abril de 1831, não corresponde ao relato propalado por muitos maçons dentro e fora das lojas, seja porque as atividades maçônicas não tenham se encerrado totalmente neste período; seja porque a suspensão dos trabalhos não pode ser responsabilizada a dom Pedro I; seja porque o Grão-Mestre Pedro Guatimozim pouco fez para interromper os trabalhos ou se colocar contra a interrupção; seja porque pertencia ao apostolado [cujas reuniões suspendeu pessoalmente], ou seja, porque sofreu a oposição dos maçons que resultou em sua abdicação ao Trono Brasileiro. A suspensão ocorreu por conta da dissensão interna que confrontava o Grupo do Ledo ao Grupo do Bonifácio e às questões políticas havidas no seio da Maçonaria.

Em relação aos trabalhos maçônicos, Castellani escreveu que “pelo menos a Loja 6 de Março de 1817, do Recife, fundada em 1821, continuou funcionando, sob a proteção de maçons americanos, já que foi instalada e regularizada pelo Grande Oriente de Nova Iorque. A ela ajuntou-se, em 1823, a Sociedade Carpinteira, de moldes e finalidades maçônicas. Por ocasião da revolta de 1824, todavia, ela foi obrigada a entrar em recesso. No terreno político institucional, o principal fato foi, exatamente, o movimento revolucionário de 1824, que visava a congregar sob regime republicano – na chamada Confederação do Equador – as províncias do Nordeste, que se haviam rebelado contra os atos de D. Pedro I”. E mais adiante assevera que “De 1824 a 1829, pouco se sabe sobre a atividade maçônica. Parece, todavia, que, em 1825, alguns maçons mais corajosos, revolveram enfrentar a perseguição que sofriam, fundando um Quadro intinerante, denominado “Vigilância da Pátria”, a qual, posteriormente seria repartido em dois novos quadros, “União” e “Sete de Abril”, para formar o Grande Oriente Brasileiro, que precedeu a reinstalação do Grande oriente do Brasil…” [Castellani, ob. cit. p. 75/76].

Os fatos e argumentos esgrimidos até aqui foram extraídos e adaptados de fontes confiáveis, embora secundárias, e poderão ser consultados e confrontados a qualquer tempo por quem quer que seja. Serviram de fontes de consulta, em ordem alfabética: A Maçonaria Gaúcha no século XIX, obra escrita por Eliane Lucia Colussi [2003]; A Maçonaria da Independência do Brasil, escrita por Manoel Rodrigues Ferreira e Tito Lívio Ferreira [1972]; Exposição Histórica da Maçonaria no Brasil, escrita por Manoel Joaquim de Menezes [1857]; História do Grande Oriente do Brasil, organizado por José Castellani [1993]; Livro Maçônico do Centenário, organizado por Octaviano de Menezes Bastos, Optato Carajuru e Everardo Dias [1922]; Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790-18820), escrita por Alexandre Mansur Barata [2006]; Quadro Histórico da Maçonaria no Rio de Janeiro Dividido em Épocas [de autoria desconhecida e sem data]. As obras de Barata, Colussi, e dos Irmãos Ferreira, por serem mais recente e mais fácil se serem encontradas, carecem de leitura pelos maçons cultos.

Luiz Gonzaga da Rocha

Fonte: http://www.formadoresdeopiniao.com.br


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Leonardo Loubak
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