A Maçonaria como Escola de Moral

Todos sabemos que antes de um profano ser admitido na Fraternidade Maçônica, é objeto de rigorosas indagações pela comissão de sindicância que a Loja escolhida nomeia e, se tudo correr bem, ainda sua Iniciação depende da votação dos Maçons reunidos na respectiva Oficina para aprovação ou não em Escrutínio Secreto. Bastará um voto contrário para impedir sua aprovação mandando o presidente da Sessão que se repita a solenidade; se persistir aquele voto contrário, verdadeiro veto, o candidato estará recusado.

É louvável o sistema de seleção adotado na Maçonaria, guardando-se a inviolabilidade da origem dos votos impeditivos numa consagrada homenagem à dignidade de caráter dos seus fautores. Há aí verdadeiro segredo funcional. A nenhum Irmão é dado o direito de tentar descobrir de onde partiu o embargo. A moral do votante é a garantia de que agiu com honradez e espírito de justiça. Na Loja todos são iguais e, na votação, o que prevalece é a confiança ilimitada no procedimento liberto de reservas mentais de cada um. Um Maçom não pode nem concorrer com seu voto condenatório a quem se propôs a fazer parte da Fraternidade, sem estar perfeitamente em harmonia com sua consciência. Exercer, em tais casos, um ato de mesquinha vingança é conduta degradante, indigna de um Maçom. Mas poderá verificar-se um caso desses na Maçonaria? Poderia um Maçom, por espírito de ódio, de inimizade, de rivalidade de qualquer natureza vetar a entrada de um desafeto na vida profana, simplesmente pelo fato de não desejar vê-lo como Irmão numa Oficina onde todos são nivelados pelos sentimentos de Fraternidade?

Há uma passagem nos Evangelhos em que Jesus, ao ser censurado por haver aceitado que a mulher transviada lhe untasse os pés com óleo perfumado, respondeu com aquela mansuetude que foi a característica de toda a sua vida: “O médico deve estar entre os enfermos”.

É possível que um enfermo, no caso, um profano que se candidata a renascer à Luz da Estrela Flamejante conte entre os que vão aprovar, um ou mais desafetos no mundo profano, e que, em tais circunstâncias, se veja barrado na tentativa de transpor as Colunas do Templo e ser recebido como Irmão. Aplicando a imagem de Jesus, teríamos: o enfermo deve estar entre os médicos. Mas, em tal caso, o enfermo não seria, na realidade, o profano proposto, e sim o Maçom que lhe impediu o ingresso na Loja.

Vamos relatar aqui, sem citar nomes, nem datas, nem lugar, nem a Loja, um dos mais edificantes fatos de que temos notícia em torno de profanos que se interessam pela honra de pertencer à Sublime Ordem.

Certo cidadão dirigiu a uma Loja o seu pedido de ingresso, documento inicial abonado por um Irmão do respectivo Quadro. Procedendo-se aos trâmites do “curriculum vitae”, com todos os requisitos do Regulamento, aguardava o profano a notícia definitiva e a data de sua Iniciação, quando correu ao apoiador, visivelmente preocupado, quase aflito:

– Diga-me… É possível desistir de tudo?

– É possível. Mas qual o motivo de tal arrependimento?

– Você não diga nada, mas acabo de saber que Fulano, com quem rompi relações há uns dois anos, é também de sua Loja, e, o que é pior, ocupa cargo de relevo.

– E que tem isso com sua entrada? De inimigos está cheio o mundo profano aqui fora.

– Ele não me topa. E é vingativo, podendo contar lá dentro histórias contra mim, enlameando meu nome. Você compreende. Se houver tempo de evitar isso, eu agradeço muito. Não quero servir de pasto ao ódio daquele cretino.

– Se não é indiscrição, qual o motivo desta inimizade?

– Um caso de atropelamento. Um filho dele quase que matou um homem em frente a nossa casa. Fui arrolado como testemunha e contei a verdade. O rapaz foi condenado e, daí por diante toda a família passou a odiar-me.

– Queriam que você depusesse a favor do atropelador?

– Justamente. Achavam que, se eu desse meu testemunho a favor, ele não teria sido condenado.

– E Fulano chegou a manifestar-se sobre isso?

– A mim, pessoalmente, não, mas pessoas de nossa mútua intimidade me disseram que ele concordava com os da família. Tanto é verdade que houve completo resfriamento em nossas relações de amizade.

– Eram íntimas e cordiais antes do acidente?

– Se não íntimas, cordiais eram.

O Irmão o tranqüilizou:

– No seu caso, eu não recuaria. Aguardaria o “veredictum” definitivo da Loja. Não que Fulano, homem criterioso e excelente companheiro lá na Maçonaria, vá prevalecer-se de um episódio como o de que me fala você para impedir sua recepção entre nós. Entretanto, uma particularidade você deve ficar sabendo desde já: se for Iniciado, meu caro, não poderá nenhum de vocês manter a inimizade na Oficina, como se estivessem no mundo profano. Ali, todos somos Irmãos, todos esquecemos agravos, vemo-nos fraternalmente.

– Por mim… Estou de acordo, mas não sei se ele pensa assim.

– Fulano não pensa assim: age assim. É grande Maçom. Sabe ser Maçom.

Passaram-se os dias, até que foi marcada a data solene da Iniciação. Com o temeroso entraram mais dois neófitos, tendo sido a Sessão um dos mais belos exemplos de festa a recipiendários da Ordem, fraternizando delegações de várias outras Lojas, repetindo-se saudações e discursos, inclusive bela oração do tal “inimigo” do temeroso candidato, visivelmente sensibilizado pelo que via e sentia, num ambiente de plena e irrestrita cordialidade. Daquele memorável dia em diante, o que passara, passara. A reconciliação foi completa e exemplar na vida profana, tudo harmonizado pela Fraternidade Maçônica.

Conta-se também outro episódio interessante, passado em certa capital de Estado nordestino.

Havia num dos municípios do interior um chefe político de tradições terríveis, apontado como personagem perigosa e homem capaz de todas as violências. Poderoso pela influência partidária e pelos recursos econômico-financeiros de que dispunha, aquele potentado, segundo diziam, conduzindo no lombo a acusação de várias mortes, não se levando em conta as surras que costumava mandar aplicar pelos seus cabras em seus desafetos.

Um belo dia desejou entrar para a Ordem Maçônica. E foi aceito sem restrições, embora o fato provocasse certas censuras de Irmãos de outros Orientes, pois que, para muitos, o tal coronel não podia, sequer, imaginar dirigir pedido de candidato à Maçonaria, quanto mais ser aceito e Iniciar-se nos Sagrados Mistérios da Ordem. A verdade é que o tal foi recebido. Houve, porém, a oportunidade de se lhe aplicar proveitosa e providencial lição. No curso das provas do Ritual, teve ele que mostrar-se humilde e prometer emendar a mão quanto aos seus desatinos passados e comportar-se, dali em diante, como um verdadeiro Maçom. Ouviu preleções edificantes das Luzes da Loja em que se Iniciava. Cabisbaixo, aceitou os Landmarks, as regras severas da Moral Maçônica, o dever de passar a ser um homem criterioso, sensato, refletido; emendar-se no que respeitava aos seus estouvamentos, sua natureza violenta, seus velhos hábitos de agressão aos mais fracos; um Maçom não deve agir como qualquer estabanado, qualquer mal educado. Deve ser pessoa com espírito de justiça e de retidão, impecável na sociedade, de bons costumes dentro e fora de casa. E o nosso herói, fascinado pelo ambiente, aceitando todos aqueles conselhos, ao ser lhe dada a palavra, agradeceu a Deus ter podido ingressar no seio da Maçonaria e ser um Maçom digno desse nome. Muita coisa, porém, que diziam dele, esclareceu, não passava de invenção do povo e de seus inimigos. Ao ágape, quando foi servida pólvora de vários tons, o coronel confessou que tinha a impressão de estar nascendo para uma nova encarnação. E fora verdade. O homem tornou-se outro e nunca mais houve possibilidade de inventar nada contra ele e seu procedimento social.

Como os dois casos acima, há muito na história e nos anais de nossa Lojas espalhadas por todos os recantos do País. Embora achemos que os nossos processos de seleção e julgamento estejam certos e lógicos, é dever de cada Oficina proporcionar chances a candidatos que são julgados a priori, muitas vezes por informações apressadas e levianas, as quais, observadas com certa dose de tolerância, não seriam empeços para a aceitação do profano.

Achamos mesmo que é no trabalho das Oficinas, nos encontros da Fraternidade, no balanço operativo dos Irmãos, na aplicação doutrinária, no ensinamento geral a que todos abrange, que a Maçonaria cumpre integralmente sua finalidade na sociedade humana. Desbastar a Pedra Bruta só encontra analogia e significado real com o trabalho primitivo dos Pedreiros Livres, quando, na própria Oficina, procura a Maçonaria anular as arestas de seus próprios membros, quaisquer que sejam as suas posições em Loja, sejam quais forem seus títulos iniciáticos.

Se o médico deve estar entre os enfermos, para que os cure ou aconselhe o melhor meio de lutar contra os males físicos, a Maçonaria poderá tornar-se grande nutriz da alma, do aperfeiçoamento moral do homem, a universidade de doutrinas filosóficas capazes de iluminar os espíritos ainda cheios de impurezas dentro das próprias Oficinas. Se um profano é impedido de entrar e aperfeiçoar-se não está bem compreendida a doutrina maçônica. É preciso ver a Maçonaria também um obra de assistência moral aos que conduzem n’alma as manchas de defeitos adquiridos na vida profana, sem que ali tenha possibilidade de regenerar-se. Não e a Maçonaria um clube de perfeição, apenas é, sim, um clube de aperfeiçoamentos. Aperfeiçoar os que estão do lado de fora e os que estão do lado de dentro. Todos nós somos portadores de defeitos; ninguém é perfeito em nada. A doutrina maçônica procura aperfeiçoar o homem no sentido moral, mas se para ali entrar, já foi considerado um candidato de moral perfeita, que poderá a Maçonaria fazer em benefício desse milagre humano? Nada. Mas, se para suas Lojas entrar um enfermo que precise de assistência e cura, aí sim está a Maçonaria cumprindo providencialmente sua sagrada missão entre os homens, reduzindo os maus e recuperando-os para a seara do Bem.

Não é raro ouvirmos certas censuras saídas da boca de Maçons e de profanos que estranham e até reprovam com azedume a presença de certas pessoas na Maçonaria.

Fulano é um cretino; não se compreende como pode entrar para a Maçonaria.

O fato de um cretino entrar para a Maçonaria não é estranhável. O que se pode estranhar é a Maçonaria não ter podido transformar o cretino em homem de bem, em cidadão digno de louvores. É incontestável que o principal trabalho de uma comunidade maçônica é o aperfeiçoamento moral dos seus elementos. Em Loja, todos somos iguais e ali não se permitem reservas mentais, descrições e recuos no cumprimento do dever saneador de cada um, quando se faz necessário aplicar os nossos Regulamentos e Código Maçônico.

É falsa, falha e indesculpável a alegação de que a Maçonaria nata tem com a vida particular ou privada de seus filiados. Tem sim. Um Maçom que atenta contra a moral, que é dado a extravagâncias, a atos que lhe comprometem o nome e deslustra a família, que não cumpre seus deveres e obrigações na vida profana, que é leviano e perdulário, que não é bom pai, que não é bom esposo, que leva uma vida desregrada, embora seja assíduo às reuniões de sua Loja e contribua com seus auxílios financeiros aos a quem a Maçonaria procura amparar, não é digno do nome de Maçom, nem de pertencer aos seus Quadros. É um enfermo que deve ser curado de sua moléstia moral é incurável, que seja desligado da Ordem, para que a Instituição não venha a pagar pelos pecados de um de seus componentes. A Maçonaria pode não chegar a conseguir triunfar sobre um elemento transviado da trilha do Bem; mas esforçou-se e lutou como recomendam suas tradições de Mestra e Orientadora para o bom caminho.

Transcrevemos para estas páginas o que nos ensinam os exegetas de nossa Ordem, os que têm estudos maçônicos aprofundados e não se cansam de doutrinar em benefício da cultura humana.

Ir. José Fernandes de Oliveira
Or. de Itaúna – MG

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